Formado pelas cantoras Tatiana Bispo e Alt Niss, pela DJ Mayra Maldjian, pelas cantoras e rappers Tássia Reis e Drik Barbosa, e pelas rappers Karol de Souza e Stefanie, o projeto musical "Rimas e Melodias" tem como proposta trabalhar tanto com a resistência do rap quanto com a delicadeza do neo soul em suas composições - daí a relação com o próprio nome do coletivo.
O viés feminista e racial fala alto no projeto e não à toa. Em um meio ainda comumente dominado por homens - embora tenhamos presenciado cada vez mais mulheres se unindo e ganhando força na cena -, as integrantes escolheram se posicionar nas letras para discursar a favor do papel da mulher negra na sociedade. "É um tema que permeia as composições porque a gente aborda as nossas vivências com o racismo que temos que enfrentar diariamente e as dificuldades que sentimos por sermos mulheres", diz Drik. "Acreditamos que isso tem que ser falado e discutido, e gente quer colaborar para fortalecer a autoestima de todas."
No mês passado, o time acampou no Red Bull Studio São Paulo para gravar seu primeiro e homônimo EP. O material contará com seis faixas e tem lançamento previsto ainda para este primeiro semestre. "Ninguém dormiu na noite anterior à primeira sessão de estúdio de tanta ansiedade", relembra Mayra. "E o frio na barriga permaneceu durante os sete dias em que praticamente moramos no Red Bull Station. Temos uma conexão muito forte, estamos todas vibrando na mesma frequência, e isso favoreceu muito o fluxo criativo durante essa temporada em estúdio. Para se ter ideia, metade das composições do disco nasceu ali na hora, com papel e caneta na mão, de tão inspirador que o ambiente se tornou."
A direção fica a cargo do DIA (que assinou a mesma tarefa em “Outra Esfera”, da própria Tássia Reis), a direção artística está nas mãos de Mayra, que também assina as colagens e scratches. Na direção executiva, Juliana de Jesus, e, na direção vocal, o cantor Dcazz. O EP ainda conta com Nauak, GROU e Deryck Cabrera na produção dos beats.
Inspirações de longa data
Como toda história tem sua raiz e como todo artista acaba florescendo a partir do contato com o trabalho de outro grande nome antecessor, a gente pediu para que cada uma das integrantes revelasse qual a faixa de uma artista mulher do hip-hop que ajudou a alimentar a vontade de trabalhar com música dentro do universo dos beats e versos nos pilares da paz, unidade, amor e diversão - como sabiamente ditou Afrika Bambaataa. Se liga só:
ALT NISS
"Sittin' Up In My Room" - Brandy
"Várias músicas e artistas me marcaram desde que eu comecei a cantar. Mas talvez a mais marcante foi essa. Quando eu comecei, ouvia coisas que eram de fácil acesso pra mim. Como Whitney Houston, por exemplo. Mas não tinha muito a ver com meu timbre e região de voz. Ouvir R&B numa época em que a internet ainda nem tinha chegado na quebrada era literalmente caça ao tesouro. E eu e meus amigos trocávamos muitos CDs, fitas e VHS para ter acesso aos sons. Até que um dia, numa fita VHS emprestada, eu vi esse vídeo e essa pessoa. Eu fiquei chocada! A minha única reação foi 'é isso que eu quero ser!' E desde então costumo dizer que eu só sou o que eu sou por causa da Brandy. E esse vídeo foi o que deu start."
DRIK BARBOSA
"Doo-Wop (That Thing)" – Lauryn Hill
"Ouvi essa música ainda criança e toda vez que escuto me lembro de como me identifiquei com a versatilidade da Lauryn de rimar e cantar. E isso me ajudou na construção da minha personalidade vocal e musical."
KAROL DE SOUZA
"The Rain (Supa Dupa Fly)" – Missy Elliott
"A Missy, no álbum de estreia dela, veio vestida praticamente num saco de lixo, fazendo uma crítica ao mercado que queria que ela só fosse compositora, por ser gorda e feia aos olhos do mainstream americano. Ela já tinha feito várias letras da Aaliyah e sua voz já era conhecida, mas quando as gravadoras a conheciam pessoalmente, rolava aquele desconforto. Até o Timbaland produzir esse disco inteiro e ele ficar no top dez da Billboard! Gosto, pois mais de vinte anos depois, eu falo desse tema nos meus raps. Eu amo esse disco!"
MAYRA MALDJIAN
"Everything is Everything" – Lauryn Hill
"'The Miseducation of Lauryn Hill' foi um divisor de águas na minha vida. Despertou em mim a vontade de um dia trabalhar com música. Lembro de ficar grudada no aparelho de CD acompanhando as letras todas pelo encarte, fazendo as dobras da Lauryn, sofrendo e vibrando com cada linha. É uma obra muito sensível e poderosa, um retrato perfeito de uma artista que consegue alternar entre rimas pontiagudas e canto doce, como quem inspira e expira. Aquele timbre, aquela postura, aquela beleza. Na época, a internet ainda estava chegando em casa, então meu lance era acompanhar a programação da MTV de cabo a rabo e gravar tudo o que eu mais curtia em fita VHS para poder rever a hora que eu quisesse. Foi quando vi o clipe de 'Everything is Everything', com Nova York girando sobre um vinil no toca-disco. Fiquei louca com os scratches e tentei fazer na vitrola de casa com os discos dos meus pais - quase destruí a agulha. Eu já tinha visto DJs riscando em outros clipes, principalmente nos que eu assistia no "Yo!", mas foi nesse dela que eu despertei para a cultura hip-hop de vez."
STEFANIE
"Tight" – Rah Digga
"Escutava rap e já tinha visto algumas mulheres rimando, mas quando assisti a esse vídeo me identifiquei tanto com essa pegada da Rah Digga que minha vida mudou e senti vontade de fazer rap também. Sua métrica é pesada e tem uma malandragem, com um timbre de voz muito forte. Fora que ela é super feminina em relação às suas roupas e, entre os homens de calças largas, conseguia passar muita atitude."
TÁSSIA REIS
"Wanna B Where U R (thisizzaluvsong)" - Floetry
"Quando vi e ouvi essa música em algum DVD daqueles 'Black Total' foi um dia especial. Uma música que fala de amor e que é pra dançar, que é cantada e rimada ao mesmo tempo. Pensava que se um dia eu fizesse um som (acho que eu já estava querendo começar) poderia ter essa pegada."
TATIANA BISPO
"On & On" – Erykah Badu
"Foi a música que projetou a Erykah Badu para o mundo. Em 1997, quando escutei o álbum “Baduizm” pela primeira vez, fiquei apaixonada logo de cara. Recebi como uma explosão cores, turbantes, ancestralidade, atitude, letras pesadas. Tudo isso sendo representado por uma voz doce e suave. Sim, era possível. Era moderno, mas tinha alma de jazz. Junto com outros artistas ajudou a formar o neo soul, gênero com o qual me identifico no meu trabalho. Ela é neo soul e jazz, mas também é o hip-hop. Erykah Badu foi importantíssima pra minha identificação musical e até hoje, exatos vinte anos depois, continua sendo minha principal referência. Ela não perdeu a essência, mas não fica ultrapassada."
Com informações de Red Bull Studios