No Itaú Cultural, o primeiro bloco afro-brasileiro tem voz para dar luz à sua história
de resistência, até ser conhecido internacionalmente como uma ação afirmativa
da raça e do valor dos povos de origem africana.
O primeiro bloco afro do Brasil, Ilê Aiyê, traz seu axé de cura e encanto para a Avenida Paulista e faz da 42ª Ocupação Itaú Cultural um grito de resistência contra os desmandos históricos que oprimem a liberdade e a majestade que habita dentro de cada pessoa.
Neste caso, os negros – os descendentes dos africanos escravizados durante os três séculos de Brasil colônia e império, cujas consequências persistem até hoje no desequilíbrio social e em ideias racistas que negam à maioria da população (que é negra) o acesso aos comandos, aos locais de fala e de decisão.
Foi com luz, sabedoria e beleza que o Ilê Aiyê teceu sua resposta, seu manto de orgulho e glória. Em 1974, sob a inspiração da líder religiosa Hilda Dias dos Santos (Salvador, 1923-2009), Mãe Hilda Jitolu, e atuação de seu filho Antonio Carlos dos Santos Vovô (Salvador, 1952), surgiu o bloco, com apoio e força de Apolônio, Dete, Vivaldo, Ana Meire, Sergio Roberto, Jailson, Lili, Macalé, Eliete Celestino, Joevandro, Maria Auxiliadora e de muito mais gente da comunidade que vivia próxima à ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade, periferia de Salvador (BA).
Eram tempos de supressão de liberdades individuais, quando ser negro era (e é) resistir. Usar o cabelo trançado, ostentar símbolos da negritude era mal visto, associado à marginalidade, reprimido pela polícia. Mas o Ilê Aiyê saiu às ruas durante o Carnaval cantando que ser crioulo doido era (e é) bem legal.
Hoje, o bairro se chama Curuzu, o Ilê Aiyê é uma marca de sucesso, conhecida internacionalmente, e o que esteve por trás desses carnavais segue sólido: a ação afirmativa da raça e o projeto de pesquisa e informação sobre o valor dos povos de origem africana e suas reverberações pelo tempo e espaço, na poesia, na música, na dança, no vestuário e em outros costumes que unidos formam a cultura e a espiritualidade do mundo negro.
O programa Ocupação Itaú Cultural resgata trajetórias artísticas fundamentais à percepção do Brasil em um conjunto de ações – exposição, site e publicação impressa –, a partir de pesquisas em documentos, registros de processos criativos e outras fontes de informação que constituem a memória viva que o instituto persegue para oferecer ao seu público como ferramenta para fruição do presente que vivemos.
Detalhes da Ocupação Ilê Aiyê
Na entrada da mostra no Itaú Cultural, a voz de Luedji envolve o visitante com a música Ilê de Luz cantada a cappella. O espaço é estreito e ocupado por telas que reproduzem rostos silenciosos de moradores do Curuzu, onde nasceu e vive o Ilê Aiyê. Eles estão em três projeções e uma quarta exibe tradução em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. É o primeiro eixo e o que conta o início de tudo. Nele, também se ouve em paisagem sonora, o barulho do mar e nomes de referência de personalidades e pessoas que lutaram e lutam pelo fim do racismo.
Fotos em tecido apresentam detalhes do terreiro Ilê Axé Jitolu e de Hilda Dias dos Santos (Salvador, 1923-2009), a Mãe Hilda Jitolu, ialorixá (sacerdotisa líder em iorubá). Ela fundou o bloco ao lado do filho Antonio Carlos dos Santos Vovô. Nascido em 1952, igualmente na capital baiana, hoje ele é presidente do Ilê Aiyê, uma lenda do Carnaval da Bahia e importante personalidade do movimento negro brasileiro.
Depois dessa passagem se acessa o segundo eixo da mostra – o vermelho. Chama-se O Mais Belo dos Belos e invoca a luminosidade do terreiro de Candomblé, da religião e da cultura negra. O visitante conhece o início dessa história e também a rua do Curuzu, berço do bloco e hoje um bairro de Salvador.
Este núcleo traz a alegria do Carnaval e de todas as crenças dos membros do Ilê. Uma tela apresenta depoimentos de integrantes do próprio bloco – Vovô e sua irmã Hildelice dos Santos – e das cantoras Daniela Mercury e Margareth Menezes, entre outros. Outra projeção, maior, mostra o bloco no Carnaval de 2018. Os audiovisuais são projetados em tambores que parecem emergir da parede.
Neste eixo, encontram-se documentos originais, os primeiros tecidos desenhados para as fantasias e algumas delas vestidas em manequins criados a partir da referência das Abayomis – bonecas negras feitas de tecidos e arrematadas com nós – em tamanho natural. São três: uma de Deusa eleita, outra de dançarina de bloco e mais uma masculina. Também apresenta croquis de carros alegóricos, troféus, fotos antigas e recortes de jornais por meio dos quais se conhece o início da história desse bloco e como ele foi recebido.
Do vermelho se passa para o amarelo, ouro, coração da exposição e eixo da beleza. Apresenta o concurso da Noite da Beleza Negra, que todos os anos elege a mulher mais carismática da comunidade, a qual assumirá o desfile de Carnaval como rainha, a Deusa do Ébano. O espaço traz referências futuristas, para mostrar a padronagem dos tecidos idealizados em cada um dos 44 carnavais da história do Ilê Aiyê, compondo uma linha do tempo. Uma vitrine mostra adereços originais de cabeça, pescoço e braço das mulheres do Ilê e do Curuzu.
Neste eixo, são apresentadas mais projeções, como uma em que dançam juntas Mirinha Cruz, a primeira rainha, eleita em 1976, e Jéssica Nascimento, rainha de 2018 já com o título de Deusa do Ébano. Tem também a exibição de uma entrevista de Mãe Hilda dada à TVE, baiana, nos anos 70. Ainda neste núcleo, uma mesa interativa mostra uma linha do tempo com a história do bloco.
Por fim, a Ocupação Ilê Aiyê é encerrada pelo eixo branco, o da cura, da paz e da música Negrume da Noite. É o núcleo que apresenta o bloco além do carnaval com ações e projetos afirmativos, como a Band’Erê, formada por alunos jovens que depois sobem para o bloco; a Escola da Mãe Hilda e os Cadernos de Educação, que vêm sendo produzidos por eles, desde 1995, no Projeto de Extensão Pedagógica do Ilê Aiyê, e utilizados também na rede escolar pública fora da comunidade.
Neste núcleo, tem a sala dos tambores interativa com o público. Nela, uma projeção de Mestre Kehindê Boa Morte explica a sonoridade de cada instrumento da Band’Aiyê (do Ilê Aiyê), as diferenças entre o tambor Caixa, Repinique, Surdo, Martelo e ensina a tocá-los em instrumentos físicos à disposição do público. Este espaço apresenta, também, os dois únicos discos LPs e dois CDs lançados pelo bloco – disponíveis digitalmente para serem ouvidos. Em outras telas, aparecem mais depoimentos de integrantes do Ilê, como Arany Santana e Maria de Lourdes Siqueira, Vivaldo e Val Benvindo. A mostra encerra com a fala de Tia Luiza. Ela tem 103 anos e é a moradora mais antiga do Curuzu.
De 04/10 a 06/01/2019
Local: Itaú Cultural
Avenida Paulista, 149, Estação Brigadeiro do Metrô
Fones: 11. 2168-1777
Acesso para pessoas com deficiência
Ar condicionado
Estacionamento: Entrada pela Rua Leôncio de Carvalho, 108
Se o visitante carimbar o tíquete na recepção do Itaú Cultural:
3 horas: R$ 7; 4 horas: R$ 9; 5 a 12 horas: R$ 10.
Com manobrista e seguro, gratuito para bicicletas.
www.itaucultural.org.br