Deformação
Procurei no terreiro
Os Santos D'África
E não encontrei,
Só vi santos brancos
Me admirei...
Que fizeste dos teus santos
Dos teus santos pretinhos?
Ao negro perguntei.
Ele me respondeu:
Meus pretinhos se acabaram,
Agora,
Oxum, Yemanjá, Ogum,
É São Jorge,
São João
E Nossa Senhora da Conceição.
Basta Negro!
Basta de deformação!
Conversa
- Eita negro!
quem foi que disse
que a gente não é gente?
quem foi esse demente,
se tem olhos não vê...
- Que foi que fizeste mano
pra tanto falar assim?
- Plantei os canaviais do nordeste
- E tu, mano, o que fizeste?
Eu plantei algodão
nos campos do sul
pros homens de sangue azul
que pagavam o meu trabalho
com surra de cipó-pau.
- Basta, mano,
pra eu não chorar,
E tu, Ana,
Conta-me tua vida,
Na senzala, no terreiro
- Eu...
cantei embolada,
pra sinhá dormir,
fiz tranças nela,
pra sinhá sair,
tomando cachaça,
servi de amor,
dancei no terreiro,
pra sinhozinho,
apanhei surras grandes,
sem mal eu fazer.
Eita! quanta coisa
tu tens pra contar...
não conta mais nada,
pra eu não chorar -
E tu, Manoel,
que andaste a fazer
- Eu sempre fui malandro
Ó tia Maria,
gostava de terreiro,
como ninguém,
subi para o morro,
fiz sambas bonitos,
conquistei as mulatas
bonitas de lá...
Eita negro!
- Quem foi que disse
que a gente não é gente?
Quem foi esse demente,
se tem olhos não vê.
Sou Negro
Sou negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh`alma recebeu o batismo dos tambores
atabaques, gongôs e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço
plantaram cana pro senhor de engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu
Depois meu avô brigou como um danado
nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó
não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh`alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação
Toque de Reunir
Vinde irmãos macumbeiros
Espíritas, Católicos, Ateus.
Vinde todos os brasileiros.
Para a grande reunião.
Para combater a fome
Que mata nossa nação.
Vinde Maria Pucheria.
João de Deus. José Maria.
Anicacio. Zé Pretinho
Para a grande reunião
Para combater a malária
Que mata nossa nação
Vinde trapeiro, pedreiro.
Lavrador, arrumadeira.
Caixeiro, funcionário.
Combater a tuberculose
Que mata nossa nação.
Vinde irmãos sambistas.
Da favela. Da Mangueira.
Do Salgueiro. Estácio de Sá.
Para a grande reunião.
Combater o analfabetismo
Que manta a nossa nação.
Vinde poetas, pintores
Engenheiros, escritores.
Negociantes e médicos.
Para a grande reunião.
Combater o facismo
Que mata a nossa nação.
Papai Noel
Papai Noel vive zangado com menino pobre
não lhe dá presente
não lhe dá brinquedo
Numa fila enorme
às vezes lhe dá humilhação
se tiver cartão
ganha coisas usadas
dos meninos ricos...
É preciso mudar esse papai noel...
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> Reportagem do Diário de Pernambuco: Para não esquecer o poeta Solano Trindade
Solano Trindade nasceu 20 anos após a dita Abolição da Escravatura, mas nos deixou reflexões muito atuais.
E a dúvida que fica é: O que realmente mudou?