Ao receber o convite para discorrer sobre o tema, tive um sentimento conflitante: 2016, ainda estamos falando sobre isso?! Sim! E que bom que ainda se tem espaço para falar sobre o assunto em uma semana que cobra “consciência”.
Passados 65 anos da Lei “Caó”, que define como crime qualquer ato de discriminação racial, somente agora foi aprovada a prisão para crimes de racismo e discriminação pela internet. 26 anos da renovação da constituição do estado da Bahia, que traz um capítulo específico sobre cota para negros na publicidade, e ainda clamamos pela presença de negros na mídia.
A frase em alta para a reivindicação é “representatividade negra importa”. Eu prefiro ir além, digo que “protagonismo negro importa”. Confesso que tenho um enorme receio sempre que tentam me representar.
A representatividade negra livre de estereótipo e coerente com a realidade, ainda é muito recente na mídia nacional. Engatinha com fragilidade, e por vezes causa estranhamento até mesmo para o público em questão. Depois de anos expostos a um padrão normativo, que considerava apenas a beleza nórdica em corpos esquálidos de pessoas héteros, quem não desconfiaria?
É sabido que a indústria da publicidade não foi criada para ser empática. O consumo desenfreado é alimentado pelas desigualdades; os indivíduos passaram a buscar suas identidades por meio daquilo que consomem. Em uma projeção psicanalítica, quem teria o desejo de ser negro? O papel do negro na mídia é um retrato fidedigno de como sociedade nos vê. Quando não marginalizados; estamos para entreter — seja cantando sua música favorita ou marcando um gol para o seu time — ou para servir — seja nos afazeres braçais e domésticos ou no sexo.
Sai da senzala!
Acredito que o caminho para uma significativa mudança dentro do cenário em questão está em tirar a capa de um país miscigenado e democrático, e se assumir como um Brasil excludente e racista. É preciso urgentemente que a mídia brasileira se desapegue do pensamento de cultura escravocrata. É tolice justificar a ausência de negros como um recorte social; sendo que o que existe é uma censura midiática que esconde negros prósperos e bem sucedidos. Embora a população negra esteja, majoritariamente, presa nas classes C e D; é um erro ignorar o crescimento da classe média negra, que ganha mais de 10 salários mínimos. Permanecem no erro ao ignorar uma parcela da população decide cerca de R$ 400 bilhões/ano em compras. Ainda que o carrinho do supermercado seja do patrão, o poder de decisão de compra da mulher negra é gigantesco.
Foi criada uma barreira racista, uma linha imaginária que delimita os lugares do negro na sociedade! Uma voz uníssona que grita na cabeça das crianças negras que elas nunca passarão daquilo que está retratado: camareira, operária, costureira e cozinheira — serviçais que nunca sairão da senzala. É necessário que elas tenham a mente livre para serem protagonistas de sua própria vida, se escolherem uma das atividades citadas; que seja somente um desejo seus corações.
O pensamento escravocrata se mostra na latente vontade de embranquecer os poucos negros que protagonizam em mídias impressas. O photoshop está para branquear, assim como um senhor de engenho ordenava ao capataz.
“Worst comes to the worst, my people come first” ou “Farinha pouca, meu pirão primeiro”
O reconhecimento do negro como consumidor é uma das consequências da luta pela igualdade racial. A reivindicação da presença negra na mídia é relativamente recente; considerando os 358 anos trabalhados sem remuneração, leis trabalhistas, assistência médica e social. Intensificou-se no inicio no início década de 90, e foi algo que pude acompanhar com discernimento. É inegável que a participação do negro na mídia aumentou consideravelmente no decorrer dos anos. Na virada desta última década é possível notar uma mudança de postura perante as cobranças do novo consumidor. Bato palmas para os acertos e catalogo com a hastag “My people come first”. Em uma tradução abrasileirada, seria como “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. A tag não foi pensada para “dar biscoitos” aos publicitários, mas sim com intuito de fortalecer o poder de consumo. Com um tom de pretensão, vejo como uma forma de constranger as mentes que ainda reforçam o preconceito e seus pilares.
Consciência para quem?
Um longo processo de desconstrução se faz necessário até que a mídia consiga retratar e dialogar com o público negro.
Ressignificado, o dia 20 de novembro — nomeado Dia da Consciência Negra — vêm cobrar consciência dos que detêm o poder de influenciar sobre comportamento cultural e valores sociais. Espero que diálogos como estes sirvam de bússola e apressem os passos rumo a essa transformação.
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