O Blaxploitation foi um movimento cinematográfico norte-americano que surgiu na esteira da luta pelos direitos civis e na efervescência cultural e política da virada entre as décadas de 1960 e 1970. A palavra é um portmanteau de black ("negro") e explotaition ("exploração"). Se na música ídolos negros já eram celebrados, uma representação na linha de frente do cinema – ensaiada desde o Oscar de melhor ator ganho por Sidney Poitier em 1964 – ainda parecia um passo ousado. Combinada com a necessidade da indústria cinematográfica por novos mercados, diretores e atores negros passaram a produzir filmes que retratassem essa ebulição. Em uma trama clássica encontraremos histórias que envolve sexo, drogas, violência e injustiçados unidos em busca de vingança.
Pois bem... colocaremos uma lente de blaxploitation nos filminhos da Disney e em suas meigas princesas!
Frogula | BLACKULA
Em 1780, o príncipe Naveen de Maldonia pede Conde Drácula para ajudá-lo a interromper o comércio de escravos na África. Conde Drácula ajuda, mas com uma condição... ele transforma Naveen em vampiro.
Quando Principe Naveen tenta fazer uso dos seus novos poderes de vampiro na Maldonia, um feiticeiro, por vingança, o transforma em sapo imortal, sendo amaldiçoado por séculos até que ele encontra Tiana. Foi dito à ela que só encontraria seu grande amor quando beijasse um sapo... procurando por sua felicidade, ela beija Naveen. Mas ele não ressurge como um belo príncipe, ele se transforma em Frogula!
Alice in Harlem Land | GODFATHER OF HARLEM
Quando Alice é informada pelo Coelho Branco que Harlem Land está sendo aterrorizada pela Rainha de Espadas ( a irmã mais perversa da Rainha de Copas), ela retorna para cuidar dos negócios.
Foxy Lion | FOXY BROWN
Quando Scar monta uma farsa e mata o Rei Mufasa, Nala afia suas garras e põe em prática um pouco da justiça típica da savana em nome do pai de seu amante.
The Boss Mermaid | BOSS NIGGER
Quando caçadores de recompensa começam a vasculhar seus oceanos e matar suas sistahs*, Ariel leva tridente de seu pai e começa a decretar seus próprios planos de vingança.
Disco Beast | DISCO GODFATHER
Depois de Chip morrer com uma dose de pó de anjo mau, a Fera declara guerra aos traficantes de Paris. Ele transforma seu castelo na boate mais quente da cidade e chama a atenção de Belle, uma dancin disco ', uma diva soul que tem seu próprio gosto por vingança.
Super Flying Rug | SUPER FLY
Quando o seu boo Aladdin sai para um hustling game, Jasmine elabora um plano que vai deixá-los com cargas de moedas, todos os tesouros da Gruta das Maravilhas tem para oferecer, e um bilhete para viagem - Não,voe para qualquer lugar que eles queiram.
Black Mama Snow Mama | BLACK MAMA WHITE MAMA
Rainha Má promete matar Neve Negra após ela protestar por injustiça racial na Floresta Mágica e Branca de Neve por shacking* com seu anão favorito, Atchim. Quando as duas estão presas no calabouço do castelo, ela se unem tramando uma vingança para acabar com o reinado da Rainha Má.
Por Heitor Augusto | Adaptado
Mais do que inverter a ordem e encher a tela de atores e atrizes negras, o Blaxploitation, gênero cinematográfico que surgiu no início dos anos 1970 sintonizado com a breve abertura de Hollywood e às transformações políticas, ainda encanta pelo atrevimento de seus heróis. Ser protagonista e conduzir o enredo não é suficiente: é preciso tirar um sarro, ser agressivo, colocar-se no ataque, espezinhar, sentar na cara dos adversários. Ser um bad ass como dizem os americanos.
O Blaxploitation é um cinema que responde ao seu tempo, um gênero composto de filmes que tiram os negros dos papeis coadjuvantes serviçais e idealizam a figura do herói. Homens (Richard Roundtree, Melvin Van Peebles) e mulheres (Tamara Dobson, Pam Grier) gostosos, desejados, atrevidos, que flertam, mergulham ou trabalham com a lei e a marginalidade. Personagens reflexo de uma romantização da inversão do status quo: os policiais, ponta final do iceberg de opressão, são os mais espezinhados no Blaxploitation.
Nos filmes, o pé de um negro na mesa de um cop* [policial] é uma vitória tão significativa quanto uma condenação na Justiça por racismo. É com esse atrevimento que os personagens do Blaxploitation jogam na cara de quem não quer ver: está na hora de os negros serem notados, queiram ou não. Entre filmes bons e ruins, o gênero vai ao menos ficar na História por cumprir essa função.
É um cinema de vingança, de humor e de raiva. Descaradamente aberto e honesto em suas fraquezas. Cinema imperfeito que pulsa. Cinema que joga com crueldade e ironia a discriminação na cara da sociedade norte-americana. Não é um cinema essencialmente de reflexão (apesar de hoje ser possível fazê-la dada a mínima distância histórica) como talvez ansiava a contraditória e notoriamente combativa NAACP, a primeira associação dos Estados Unidos a brigar formalmente, desde 1909, pelos direitos civis dos negros – em 1915, defendeu a proibição da estreia de O Nascimento de Uma Nação, maravilhoso e racista filme de D.W. Grifith.
Após quatro décadas, seria leviano observar a paixão e a rejeição que o Blaxploitation gerou à época como uma disputa de Fla-Flu. Existem muitas áreas cinzas entre o herói na fronteira da bandidagem, a condenação da falta de moralidade desses personagens e os que imputaram a essas produções a culpa por manter a população negra alienada.
Me parece que, naquele momento de urgência, quem xingou e cunhou a esses filmes o pejorativo termo Exploração dos Negros (Blaxploitation, reapropriado com orgulho por seu público consumidor) não percebeu que, assim como o trabalho de formiga dentro da legalidade feito pela NAACP, um herói de um filme-provocação como Shaft também é ferramenta de combate.
São esses heróis às avessas que tentam corroer o sistema com violência e por meio dela explicitam a exclusão. Não são os negros comportados que levam uma vida honesta ou aspiram à pequena burguesia. O traficante Priest, a vingadora Coffy, o detetive “pegador” Shaft, a policial arrasa-quarteirão Cleópatra Jones ou o lutador Leroy (de Operação Dragão Negro/Blackfist, que infelizmente não está na mostra) são tão necessários quanto o bom mocismo domesticado de Sidney Poitier.
Hoje me parece mais simples perceber isso.
Nos anos 70, porém, a crítica não enxergou valor artístico em um cinema irregular e deliberadamente carregado nos clichês. O movimento negro tradicional não entendeu que avançar vagarosamente não era a única tática e que a agressividade do Blaxploitation também era necessária. Quem abraçou esse cinema foram os jovens espectadores, seja pela pura diversão de um filme como Foxy Brown, pela arrepiante trilha de Curtis Mayfield em Super Fly ou por se deliciar com a aparente inversão da ordem (negro protagonista e astuto, branco coadjuvante, tolo e apombocado).
Assim como os papeis de empregada de Hattie McDaniel foram fundamentais para que Halle Berry e Denzel Washington se tornassem estrelas e ganhassem um Oscar, o Blaxploitation abriu indiretamente portas – mesmo não sendo do jeito que o Movimento Negro tradicional gostaria. Ainda me parece necessário ressaltar isso.
Fonte: Urso de Lata