19.1.17

Na contramão da atual gestão paulistana, MASP anuncia exposição de Basquiat

Jean-Michel Basquiat, um dos maiores ícones da arte urbana mundial, ganhará exposição no MASP em 2018. A informação foi confirmada pelo museu em comunicado divulgado nesta quarta-feira (18).


O recorte escolhido leva o nome "Histórias da Escravidão", e dialoga com a investigação das narrativas africanas que o museu prepara para o próximo ano; data dos 130 anos da assinatura da Lei Áurea, que findou a escravidão no Brasil. A obra de Basquiat é marcada por influências da cultura africana e latina. Esta será a primeira grande exposição de artista no país; a primeira ocorreu na 23ª Bienal de São Paulo, em 1996, com uma retrospectiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo, em 1998.



A mostra também marca os 30 anos da morte do artista plástico, que ganhou notoriedade no início dos anos 80, a partir de suas intervenções artísticas em prédios abandonados de Manhattan; sendo estas grafites e pixações. Através da compreensão de sua arte, o grafite foi elevado ao status de arte de galeria.

Basquiat era filho de imigrantes; o pai haitiano e a mãe porto-riquenha. Ao cair nas graças do guru da pop art, Andy Warhol, viu seu trabalho ganhar as galerias ao redor do mundo. O sucesso repentino, foi bruscamente interrompido após uma overdose, e o artista falece prematuramente, aos 27 anos. Após sua morte, suas obras foram supervalorizadas, com registros de vendas por mais de 150 milhões de dolares. Seu trabalho, marcado pela iconografia de inspiração das raízes africanas e cores fortes, segue como referência e inspira diversos nomes da música, moda e design.
Segundo a nota emitida pelo Museu de Arte de São Paulo, a exposição contará com cerca de 40 trabalhos, entre pinturas e desenhos.



O anúncio da exposição que valoriza a arte urbana soa contraditória dentro do cenário político. Uma verdadeira guerra entre a nova prefeitura de São Paulo e os grafiteiros e pichadores da cidade foi anunciada.



Em entrevista recente, o novo prefeito afirmou que "São Paulo vai fazer uma grande campanha contra os pichadores". Logo após a declaração anunciou a criação de espaços batizados de grafitódromos, inspirado no bairro de Wynwood, em Miami, onde as pinturas artísticas serão liberadas; com curadoria e coordenação do artista Eduardo Kobra. O muralista - como o ele mesmo afirma que gosta de ser chamado - veio a público desmentir e alinhar os fatos:

"Nem sabia o que era o projeto", diz Kobra, que tinha participado de uma reunião de meia hora com Doria na qual deu sugestões de como incentivar a arte urbana na cidade. "Começou e terminou nesse ponto. Sugeri criar um museu de 'street art', falei do festival de arte 3D que estou organizando no Memorial da América Latina."
"Acho que ele se entusiasmou. Até liguei para ele depois para explicar que não posso ser coordenador nem fazer curadoria nenhuma", diz Kobra, que repete várias vezes durante a conversa que "não trabalha para a prefeitura", "não poderia assumir um cargo nesse sentido" e "não faz parte de um projeto".
"Claro que, se a prefeitura quiser me consultar sobre qualquer coisa que beneficie a arte urbana, estou à disposição. Mas jamais aceitaria um cargo. Principalmente contra pichadores. Não compartilho de atitude repressiva e jamais me colocaria numa posição contrária a outro artista."
Para Kobra, a rua não tem curadoria. "Grafite é uma arte que é livre, ela continua sendo livre, não dá pra controlar. Está no DNA da cidade de SP, que é conhecida por ter a maior diversidade de estilos na arte urbana. Já tem turistas que vêm para cá só para conhecer a arte de rua."
O tempo todo Kobra reforça o orgulho que tem da sua história. E pede para ser chamado de muralista, não grafiteiro. "Grafite, por definição, é arte livre, sem permissão. O que eu faço não é grafite, porque é autorizado", afirma. "Mas nunca deixei colocarem restrições ao meu trabalho. Quando a pessoa autoriza, tem que dar liberdade."
Não que ele tenha que pedir muita licença hoje em dia – a maioria de suas intervenções é a convite. São tantas nos EUA que ele vai montar uma base de trabalho em New Jersey e levar a família para morar com ele por lá. Assim pode passar mais tempo com a mulher e o filho, Pedro, de sete meses. Intercalando temporadas no Brasil, vai fazer uma série de 28 murais espalhados por Nova York.
"A cidade tem a ver com minha história. Comecei a pintar por influência dos grafiteiros de lá, na década de 1980, o Basquiat, o Keith Haring." Aos 18 anos ele foi morar sozinho após atritos com a família, que se opunha ao grafite. "Pintava lojas, trocava por roupa. Nunca tive problema com droga, mas andava só com os 'maloqueiro'. Eles [a família] queriam me proteger." Chegou a trabalhar em banco, depois saiu.
Ainda sobre as declarações de Doria, Kobra disse agradecer os elogios –"estou há 28 anos pintando nas ruas e já fui detido algumas vezes, então um elogio vindo de uma autoridade para mim é algo inusitado sempre"–, mas diz que "jamais" iria contra suas "origens", a pichação.
"Comecei na pichação, minha origem é na periferia. Tenho vários amigos pichadores. Jamais vou me envolver com algo que seja contrário a qualquer manifestação de arte na rua. Não tenho nada a ver com isso, se não estaria indo completamente contra as minhas origens."
O artista também diz não acreditar "em evolução na arte de rua". "Um não é evolução do outro, cada um é cada um. Ninguém é melhor que ninguém nesse universo das ruas."


A pixação e grafite são intervenções artísticas diferentes - a primeira tem como base elementos tipográficos, já o grafite explora o grafismo em sua totalidade - mas ambas dão voz à mesma cultura marginalizada; o hip hop. O pixo carrega a intenção protesto, exigindo liberdade de expressão. Para muitos é tido como uma intervenção transgressora; porém o grafite e a própria obra de Basquiat receberam o mesmo rótulo. E como rotular e segmentar uma arte urbana, sem donos e regras?

Na intenção de se posicionar sobre a decisão da atual gestão, o vereador Eduardo Suplicy publicou em sua página oficial no Facebook:

“O grafite é uma forma de arte original, de rua, inclusiva e democrática. Rejeita restrições e regras fixas, incentiva a participação popular. Transformou-se em uma cultura de resistência à segregação social e urbana."

Com base em matérias UOL / Folha